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sexta-feira, 8 de julho de 2011

A filosofia jurídica dos EUA a partir do formalismo

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

 
Proponho examinar a filosofia jurídica norte-americana (jurisprudence) a partir do formalismo que caracterizou o positivismo de John Austin e o instrumentalismo de Jeremiah Bentham. Em seguida, demonstrarei a reação a esse formalismo, por meio do pré-realismo que marcou o pensamento de Oliver Wendell Holmes Jr. e da jurisprudência sociológica defendida por Roscoe Pound. Identificarei o realismo jurídico resultante, resumindo o ideário de Jerome Frank, Felix Frankfurter, Karl Llewellyn e Benjamin Cardozo. Quanto ao pensamento contemporâneo, começarei com o radicalismo de esquerda, sintetizando o critical legal studies de Roberto Mangabeira Unger, Duncan Kennedy e Mark Kelman. Mais ao centro, situarei Ronald Dworkin e sua nova proposta hermenêutica, o neopositivismo de H.L.A. Hart, o neocontratualismo de John Rawls e o movimento direito e literatura, iniciado por James Boyd White. Por fim, vinculado ao ideário republicano e conservador, analisarei o movimento direito e economia de Richard Posner, juiz federal indicado por Ronald Reagan.
John Austin publicou em 1831 seu An Outline of a Course of Lectures on General Jurisprudence e em 1832 The Province of Jurisprudence Determined. Para o jusfilósofo inglês, a lei é comando do Estado. Detentora dessa condição de validade e desse requisito de aceitabilidade, a lei determina cumprimento integral de seu comando. O objeto da filosofia jurídica é o direito positivo; lei, simples e estritamente considerada: lei posta pelos superiores políticos para seus inferiores[1]. O comando que qualifica a lei é significativo de um desejo[2], cujo formulador é detentor de poder de proporcionar mal, dor ou prejuízo a quem o desrespeite[3]. O Estado seria o identificador desse desejo. A lei é comando que obriga pessoas[4], positivando a moralidade orientadora da conduta humana[5].
Para Austin, a lei é regra imposta com base no poder, e nesse sentido não haveria relações entre direito e justiça[6]. Teríamos quatro tipos de leis: Leis divinas ou leis de Deus (divine laws or laws of God), leis positivas (positive laws), leis morais positivas (positive morality) e leis metafóricas ou figurativas (laws merely metaphorical or figurative)[7]. As leis positivas seriam produzidas de acordo com direitos previamente conferidos ao legislador (lawgiver, legislator), cujo desejo sintetizaria orientação geral constituida pelo ambiente social[8]. Comando (command), sanção (sanction), obrigação (duty) e soberania (sovereignty) seriam os aspectos a serem considerados no entendimento de determinado modelo jurídico[9]. O interesse pelo estudo de Austin na Inglaterra foi renovado a partir da década de 1950, quando H.L.A. Hart começou a lecionar filosofia do direito em Oxford[10]
Jeremiah Bentham é contemporâneo de John Austin[11] e também era inglês. Teórico da grande felicidade[12], percebia instrumentalismo na lei, comando do Estado que deveria melhorar a vida das pessoas. O modelo normativo deve seguir a uma utilidade social e Bentham define o aludido princípio como:
Princípio da utilidade é aquele que aprova ou desaprova qualquer ação, de acordo com tendência que aumente ou diminua a felicidade do grupo cujo interesse está em jogo: ou, o que é a mesma coisa em outras palavras, de promover ou de opor-se à felicidade[13].
O interesse individual daria forma ao desejo da comunidade, corpo fictício (fictitious body), que resultaria da soma dos indivíduos[14]. A lei instrumentalizaria o anseio social, espelhando ansiedades individuais, possibilitando a maior felicidade ao maior número de pessoas. A lei decorreria da ação do governo, cuja função seria promover a felicidade da maioria, punindo ou recompensando[15]. A punição ou ameaça de sofrimento saltaria das entrelinhas da regra ou do comando objetivo a mesma, propiciando benefício para o convívio social[16]. Bentham concebera também uma codificação penal[17], prescrevendo leis gerais para segurança pessoal dos jurisdicionados[18]; chegou a propor que mendigos fossem aprisionados[19].
Para Bentham, o bem público deve ser o objeto a ser perseguido pelo legislador e a utilidade geral deve ser o fundamento das leis[20]. A ciência da legislação consistiria no conhecimento do bem comum e sua arte no encontro dos meios para a realização desse ideal[21]. A lei deveria servir a totalidade dos indivíduos, proporcionando a maior felicidade para o maior número de pessoas[22]. Como desdobramento lógico desse axioma, o indivíduo deve subordinar-se à lei, comportamento que qualifica seu respeito à comunidade[23], que é a projeção de sua abstrata concepção de felicidade. Bentham defendeu a liberdade religiosa, o divórcio, um sistema racional de punição, reforma processual, o fim das restrições normativas à liberdade econômica[24]. Considerava como lei apenas a regra produzida por autoridade investida com competência para a confecção de normas[25], cujo respeito previa como absoluto.
Austin e Bentham justificam o direito positivo como necessário e útil, pragmatismo que bem associa-se ao pensamento filosófico norte-americano, a exemplo do ideário de John Dewey e de Charles Pierce[26]. A recepção da common law inglesa, amalgamada a relativa onda legislativa e regulamentadora, criou direito cioso do passado, do julgado, do pacificado. O culto ao pretérito jurisprudencial mesclou-se à adoração da norma como identificadora da excepcionalidade de nova sociedade que brotava no outro lado do Atlântico. Uma religião civil, jurídica, centrada no fetichismo da lei e da ordem, fez-se nacional e unificadora, tenho como santuário a Suprema Corte[27] e propiciando o agigantamento do capital, a extensão do sistema ferroviário[28], a manutenção temporária da ordem escravocrata[29], a ampliação dos poderes do Congresso[30], a dizimação do nativo[31], a exploração do trabalhador[32]. O formalismo marcou essa época, que plasmou a conquista do velho oeste e a multiplicação de fronteiras, levando o desbraador até o Pacífico.
O divisor de águas dá-se com o voto vencido de Oliver Wendell Holmes Jr. no caso Lochner vs. New York[33], julgado em 1905, anunciador de forte reação ao formalismo então vigente. No caso acima mencionado, questionou-se na Suprema Corte validade de lei do estado de Nova Iorque que limitava as horas de trabalho de padeiros[34]. O pensamento formalista insistia que o governo não estava intitulado a interferir na liberdade de contrato. Padeiros estavam autorizado a trabalhar quantas horas julgassem conveniente. Decidiu-se em favor de Lochner, que poderia empregar padeiros em regime de horas livremente negociado[35]. Não se mencionou que essa liberdade contratual beneficiava tão somente o dono do capital. É que o empregado deveria conformar-se a qualquer regime de trabalho; sua escolha era mera formalidade.
Oliver Wendell Holmes Jr., juiz da Suprema Corte, discordou da maioria que sustentara a formalista liberdade de contrato e seu voto inaugura uma nova postura realista. Segundo Holmes,

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