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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Mudança na lei de prisões: desinformação e alarmismo prevalecem no debate


Por Cecília Oliveira
 A prisão preventiva – até então usada em larga escala - passa a ser decretada como última alternativa, quando não for possível atingir a mesma finalidade com a aplicação de outras medidas. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, 219.479 (44%) dos presos do sistema penitenciário brasileiro são provisórios. Parte da imprensa tem tratado o assunto com alarmismo, prevalecendo “uma cobertura que aposta no medo social, como que a pretender pressionar o Congresso a retroceder”. Em entrevista ao Notícias & Análises, o desembargador da 5ª Câmara Criminal, professor de Direito Processual Penal da UFRJ e membro da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), Geraldo Prado, responde perguntas mais freqüentes sobre o assunto.
Notícias & Análises: O que de fato muda na nova lei de prisões?
Geraldo Prado: A nova lei introduz medidas cautelares desconhecidas ou antes previstas em nosso direito apenas em casos bastante específicos, como nos casos de violência doméstica (Lei Maria da Penha). As medidas estão relacionadas a fim de fazer valer a regra constitucional da presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII) e o objetivo, portanto, consiste em diminuir os casos de aplicação da prisão antes da condenação. A lei resulta de um projeto elaborado pelo Executivo, mas alterado pelo Congresso. Seguiu-se, em regra, a orientação predominante no STF (Supremo), que na última década tem reafirmado o caráter excepcional da prisão anterior à condenação. A diferença é que a afirmação da presunção de inocência, na lei, com as novas medidas e o reconhecimento do caráter excepcional da prisão, passam a ser critérios que os juízes observarão para todos os investigados (durante o inquérito) e processados, e não mais somente para os que podiam contratar advogado e reclamar nos tribunais a violação da Constituição, privilégio de poucos afortunados, no Brasil.
N&A:
Quais crimes terão penas de prisão provisória substituídas por medidas cautelares?
GP: Praticamente todos os crimes. Elas não poderão ser aplicadas, porém, nos casos em que a infração penal não for punida com pena de prisão. É a hipótese das contravenções penais. Para estas não cabe prisão preventiva, tampouco as novas medidas cautelares, mas já era assim com a Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/95), desde a década de 90. A fiança é reabilitada como medida substitutiva da prisão em flagrante, em muitos casos, mas sofre restrições que decorrem também da Constituição. Assim, prisões em flagrante por racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos, por exemplo, são insuscetíveis de liberdade por meio de fiança (art. 323 e 324 do CPP com a nova redação). O homicídio qualificado é um crime hediondo e para ele não cabe fiança.
N&A: O que muda então nos casos de prisão em flagrante?

GP: O juiz transformou-se, de direito, em garantia da presunção de inocência. Assim, 24h depois da prisão em flagrante o juiz deverá se pronunciar. Se entender que a prisão em flagrante é ilegal, deverá relaxá-la; na hipótese de ser uma prisão em flagrante legal, mas sendo desnecessário manter esta prisão [por meio de sua transformação em prisão preventiva] o juiz deverá deferir liberdade provisória, com ou sem fiança, desde que não seja hipótese de cabimento das medidas cautelares mais brandas, previstas no art. 319 do CPP (nova redação, que inclui a liberdade provisória com fiança, ao lado ou depois da insuficiência de várias restrições, como proibição de freqüentar determinados lugares ou monitoração eletrônica). Estas medidas alternativas terão preferência à prisão preventiva, como forma de proteger o processo do abuso do direito à liberdade por parte do acusado. Exemplo disso é a proibição de o acusado manter contato com pessoa determinada (art. 319, inc. III, do CPP – nova redação). A manutenção da prisão em flagrante pelo juiz observará, a partir da lei, a transformação desta prisão em flagrante em prisão preventiva. Não há restrição à liberdade provisória sem fiança, que poderá ser deferida mesmo nos casos de crimes hediondos, como há algum tempo vem decidindo o STF. Igualmente será possível deferir as medidas cautelares diversas da prisão, salvo à liberdade mediante fiança, às hipóteses de crimes hediondos, pois a restrição constitucional, reproduzida na lei, refere-se exclusivamente à fiança.

N&A: E no caso das prisões preventivas, quais as mudanças com a nova lei?

GP: O ponto mais controvertido, certamente, é o dos casos em que caberá prisão preventiva, decretada pelo juiz quando o indiciado ou acusado estava solto, ou por força da conversão da prisão em flagrante, como dispõe o art. 310, inc. II, do CPP (nova redação). É que a partir de agora não será possível decretar a prisão preventiva, em regra, quando se tratar de investigação ou processo por crimes dolosos cuja pena máxima não exceda quatro anos (art. 313, inc. I, do CPP – nova redação). Por isso, não cabe prisão preventiva nos seguintes casos: a) nas contravenções; nos crimes culposos; e nos dolosos cuja pena máxima seja inferior a quatro anos, como por exemplo, no furto simples.

N&A: Alguns setores se mostraram insatisfeitos com a revisão da lei.

GP: Nos casos de menor gravidade a prisão antes do trânsito em julgado (decisão final, onde não cabe mais recurso) da sentença tenderá a desaparecer. Há certa revolta dos setores mais conservadores, acostumados a ver a prisão processual ser usada como mecanismo de antecipação da pena, vingança ou meio de diminuir as chances de defesa dos presos. A revolta, porém, não tem lastro, quer na Constituição, quer no sistema de prisão e liberdade que está em vigor no Brasil desde 1995 (Lei dos Juizados Especiais Criminais), porque com a instituição da suspensão condicional do processo para crimes com pena mínima não superior a um ano de prisão o sistema inibia a decretação da prisão preventiva e obrigava à soltura imediata do preso em flagrante. Os precedentes do STF são reiterados neste sentido.

N&A: O que a nova lei representa para a democracia e garantia de direitos humanos?

GP: Para a democracia a lei nova nos atualiza perante as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos da última década e o Brasil cumpre sua obrigação internacional, cuja violação acarreta sanção, dando decisivo passo na implantação do Estado de Direito. É minha opinião. Em um contexto em que proliferam prisões em casos para os quais, ao final, os juízes terminam condenando os acusados a penas restritivas de direito (um dos exemplos é o tráfico de drogas privilegiado, em relação ao qual o STF já decidiu ser possível condenação a penas alternativas/substitutivas, portanto sem recorrer-se à prisão – art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06 – réu primário e não integrante de organização criminosa), a nova lei tenderá a reduzir significativamente o número de presos provisórios e evitar manifestações injustiças.

N&A: Alguns setores têm dito que “quanto mais presos, maior a segurança nas ruas”.

GP: A discussão sobre se mais prisões provisórias correspondem a mais segurança é complexa, mas um dado elementar mostra que se trata de um falso mito do que de algo empiricamente verificado: as prisões provisórias multiplicaram-se em doze anos, nem por isso diminuiu a sensação de insegurança. Tampouco esta sensação aumentou desde que o STF decidiu que em hipóteses de pena curta de prisão, como no mencionado tráfico de drogas “privilegiado”, era possível aplicar penas alternativas. Não há relação direta entra uma coisa e outra, mas o espaço é limitado para este debate específico.

N&A: Qual o impacto da nova lei para o sistema penitenciário brasileiro? Como será sua aplicabilidade? As pessoas presas provisoriamente serão libertadas?

GP: A liberação das pessoas presas e que, segundo a lei nova, não poderão continuar assim, a rigor, deveria ser levada a cabo prontamente. Creio, todavia, devido às resistências constatadas, que caberá aos Defensores, especialmente os Defensores Públicos, postular aos juizes a imediata incidência do novo modelo legal. Nada impede, porém, que o juiz decida sem provocação, de ofício (sem que ninguém faça pedido específico, no processo). Isso é desejável e salutar. Ou ainda, que o juiz decida, a partir de requerimento do Ministério Público, que tem o munus constitucional (obrigação, dever) de velar pela presunção de inocência e escrupulosa aplicação da lei.

N&A: Como o senhor vê a revisão desta lei? Ela permitirá um tratamento mais isonômico?

GP: Claro que há imperfeições. A lei ainda assegura a prisão preventiva com base em cláusula genérica de “garantia da ordem pública” (art. 312, caput, conforme a nova redação do CPP), mecanismo de constitucionalidade duvidosa que, se não for aplicado criteriosamente, poderá frustrar a aplicação do novo sistema. E mesmo as medidas alternativas a prisão preventiva eventualmente, e em decorrência de uma permanência indesejável de interpretação inquisitorial, poderão estimular a ampliação do controle social, impondo restrições às pessoas que, na vigência do modelo anterior, aguardariam em liberdade o resultado de seus processos.

N&A: Muitos têm alardeado que a revisão da lei gerará insegurança e que “os cidadãos de bem” é que ficarão presos. Como o senhor avalia a cobertura de parte da imprensa e a reação da sociedade sobre o assunto?

GP: Sublinho que, mesmo nos meios de comunicação social ainda existem muitas dúvidas e perplexidades sobre o alcance e conseqüências da lei nova, mas em geral, entre os meios que circulam nas classes médias, tem prevalecido uma cobertura que aposta no medo social, como que a pretender pressionar o Congresso a retroceder. Faz parte da luta democrática resistir a esse tipo de interpretação e é neste campo de luta que as forças que confiam nos direitos humanos deverão se impor.
Entraram em vigor segunda-feira, dia 4 de julho, novas regras para a adoção de medidas cautelares (mecanismos aplicados para impedir que acusados atrapalhem a investigação criminal, para proteger testemunhas e vítimas e preservar a ordem pública). A revisão da Lei 12.403/2011, que atualiza o Código de Processo Penal (CPP-1941), agora permite que os juízes tenham novas opções para afastar ameaças à condução do processo, como o monitoramento eletrônico do acusado, a suspensão do exercício de sua função pública e o aumento do valor da fiança.

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