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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Retrocesso na segurança pública


por Ilson Lima
Na visão de estudiosos, arcaico e estagnado, modelo de segurança pública no país e falta de vontade política são os principais problemas da área (Foto: Stock.xchng)

Com indicadores de violência bastante altos, o Brasil está vivendo, desde a década passada, um retrocesso na área de segurança pública. Dados de organismos nacionais e internacionais registram índices elevados de violência generalizada, especialmente de homicídios a mão armada.

Dois especialistas em segurança pública, o antropólogo Luiz Eduardo Soares e o sociólogo Luís Flávio Sapori, que participaram de governos ideologicamente antagônicos no cenário político, são unânimes: o retrocesso na segurança pública é estrutural e já é um dos maiores problemas a serem enfrentados pela sociedade brasileira nos próximos anos.

Outro estudioso da área, o sociólogo Luís Felipe Zilli, faz coro com eles em várias questões, mas difere em algumas. Em comum, veem a necessidade de reformas urgentes e profundas na segurança pública brasileira, em particular nas instituições responsáveis pelo policiamento ostensivo e de investigação criminal, as Polícias Militar e Civil.

Ex-secretário nacional de Segurança Pública do governo Lula, Soares é contundente em suas críticas aos governos das duas últimas décadas, os quais, segundo ele, nada fizeram de significativo na área. "O governo de Fernando Henrique Cardoso foi inerte; o de Lula, tímido, com pequenos avanços, e o de Dilma é um retrocesso sem avanço", frisa.

Soares aponta, como raiz dos problemas, a arquitetura institucional da segurança pública, estabelecida pelo Artigo 144 da Constituição. "Esse artigo atribui à União poucas responsabilidades (salvo em crises), não confere qualquer autoridade relevante ao município (na contramão do que ocorre nas demais áreas) e concentra praticamente todo o poder nas polícias estaduais, ordenadas segundo o modelo que fratura o ciclo de trabalho e, por seu desenho incompatível com as funções atribuídas, condena as instituições à ingovernabilidade e à mútua hostilidade", afirma. Para o antropólogo, "apesar do amplo consenso entre profissionais da área quanto à irracionalidade da arquitetura institucional, em especial do modelo de polícia, nenhum passo objetivo foi dado em direção à reforma", o que nos leva, não por acaso, a "ser o segundo país mais violento do mundo, considerando-se os números absolutos referentes aos crimes letais intencionais".

POLÊMICA

Já Sapori, no estudo "Avanço no socioeconômico, retrocesso na segurança pública: paradoxo brasileiro?", não só critica toda a estrutura que dá sustentação à área, como defende uma tese polêmica, das muitas já surgidas para explicar o fenômeno criminal no país.

Ex-secretário adjunto de Defesa Social do governo Aécio Neves, em Minas Gerais, e atual coordenador do Centro de Pesquisa em Segurança Pública da PUC Minas, Sapori afirma que, apesar dos avanços socioeconômicos verificados desde o início da década passada, simultaneamente o Brasil está vivendo um retrocesso na área.

Esse aparente paradoxo, alega o professor, consolidou o Brasil como um dos países mais violentos do mundo em todas as pesquisas especializadas. "Não há qualidade de vida em uma sociedade que todos os anos coleciona mais de 50 mil vítimas de assassinatos. Os jovens continuam sendo as vítimas preferenciais dessa violência, especialmente os negros e residentes nas periferias urbanas", lamenta.

Conforme o professor, a desigualdade social não pode ser mais considerada como fator que intervém na criminalidade de forma decisiva como em outras épocas, já que os avanços sociais e econômicos alcançados pelo Brasil na primeira década do novo milênio são bastante expressivos. Sapori sustenta sua tese, descrevendo a evolução alcançada pela sociedade brasileira nos últimos 20 anos: "Diminuímos a magnitude da pobreza absoluta. O acesso à educação básica se universalizou. O acesso dos jovens mais pobres à universidade foi ampliado, a taxa de analfabetismo diminuiu, a esperança de vida ao nascer foi incrementada e até a desigualdade na distribuição de renda nacional diminuiu. Nos aspectos econômicos, por sua vez, alcançamos a posição de sexta economia do planeta, a inflação permaneceu controlada, a taxa de desemprego caiu significativamente, como também ocorreu com a informalidade no mercado de trabalho."

A contradição a esses avanços sociais e econômicos, acentua Sapori, está nos indicadores da violência urbana, onde não se constata fenômeno similar. "As taxas de homicídios oscilaram ao longo da década, crescendo em um primeiro momento, com leve reversão a seguir, e estabilizando nos últimos anos. A maioria dos estados não manifestou tal oscilação, evidenciando trajetória ascendente da taxa de homicídios por todo o período", destaca.

LENHA NA FOGUEIRA

Autor da dissertação de mestrado "Violência e criminalidade em vilas e favelas dos grandes centros urbanos: um estudo de caso da Pedreira Prado Lopes", defendida em dezembro de 2004 na UFMG, o sociólogo Luís Felipe Zilli põe lenha na fogueira sobre o assunto, ampliando o debate.

"Acho sempre complicado falar de "desigualdade" e "criminalidade" em termos genéricos. Quando correlacionamos "pobreza" e "crime", estamos falando exatamente do quê? O que definimos como "pobreza"? O que definimos como "desigualdade"? O que definimos como "crime"? Todas essas definições são extremamente complexas e multidimensionais. Não podem ser tratadas de modo genérico. Os crimes de roubo e furto seguem lógicas (temporais, geográficas, motivacionais, além de outras) muito diversas dos crimes de homicídio consumado e tentado. A ideia de desigualdade pode se referir a uma dimensão econômica, mas pode perfeitamente bem remeter a dimensões culturais, simbólicas e políticas", realça. "Acho, portanto, complicado afirmar que não há relação entre criminalidade e desigualdade, simplesmente colocando lado a lado indicadores de melhoria econômica e aumento das taxas de criminalidade."

Ex-pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Zilli questiona fortemente a correlação direta entre tráfico de drogas e a prática de violência. No seu entendimento, o problema não está necessariamente no tráfico de drogas, mas no surgimento e na consolidação de grupos de jovens armados nas favelas, não necessariamente articulados em função do tráfico. "A meu ver, com exceção do que se vê no Rio de Janeiro, onde temos um modelo de grupos confederados (as chamadas facções), o tráfico é simplesmente a atividade criminosa que sustenta os grupos, dá a eles condições econômicas e logísticas de manterem os conflitos entre si, mas não necessariamente o foco ou a razão principal desses conflitos", garante.

Na opinião do pesquisador, a explicação para o aumento das taxas de homicídios no Brasil é consideravelmente mais simples: os estados do Norte e do Nordeste como as cidades do interior do país estão vivendo agora dinâmicas urbanas, sociais e criminais vivenciadas pelas grandes cidades do Sudeste e do Sul há três décadas , e que, naquele período, começaram a alavancar os crimes no Brasil. São, de acordo com o diagnóstico de Zilli, processos bastante similares: crescimento desordenado, favelização, e outras mazelas. "Os homicídios hoje crescem com mais força nas cidades com população entre 100 mil e 500 mil habitantes. É um processo de urbanização do interior do Brasil e, consequentemente, de interiorização da violência. Cidades pequenas e médias, mas em franco crescimento, têm enfrentado problemas similares aos das grandes cidades. E elas, sim, têm sido os grandes vetores desse crescimento de criminalidade", conclui.

AS SOLUÇÕES APONTADAS

Os três estudiosos da segurança pública concordam que a área precisa passar por reformas urgentes e prioritárias, sem as quais o país não vai superar um dos seus maiores gargalos. Uma delas é a reforma das polícias que, 25 anos depois da nova Constituição, ainda são refratárias às mudanças, são hostis entre si e praticam o corporativismo. Mais do que isso, na opinião de Soares, por exemplo, "as polícias civis demonstram baixa capacidade investigativa e, tanto nesta como nas polícias militares, proliferam as máfias, chamadas de milícias, que expandem seus negócios e territórios sob seu domínio".

Sapori, por sua vez, acha que, além da unificação das polícias, reforma a qual não acredita que ocorra em curto prazo, nem mesmo na integração das ações entre elas, é preciso reformar o Código Penal e implementar projetos articulados de repressão ao crime, projetos de prevenção social e criar, urgentemente, um programa nacional de prevenção contra a violência juvenil.

Zilli avalia que não faz qualquer sentido a existência de duas polícias para lidar com um fenômeno criminal. "Nada explica isso, senão a cultura e a resistência corporativa dessas instituições. Esse modelo é caro, ineficiente e contraproducente. Sou favorável a uma polícia única, de ciclo completo", ressalta.

Ele vai além e afirma que não se pode confundir a atribuição de uma corporação com seu modo de organização ou estruturação. "A atividade de policiamento ostensivo não precisa necessariamente ser exercida por instituição militar. Penso que, no atual contexto democrático em que vivemos, com uma demanda imensa e crescente por uma segurança pública mais cidadã, com maior respeito aos direitos civis, não exista mais espaço para uma instituição militar. Por mais polêmica que essa tese possa parecer, acho que precisamos começar a discutir se efetivamente precisamos de uma instituição militar que inevitavelmente trabalha com a lógica da guerra, do inimigo, da ocupação e da defesa do território, da manutenção armada da ordem para provimento da segurança pública", critica

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