Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

sábado, 14 de maio de 2016

Violência arbitrária e Lei de Abuso de Autoridade

O crime de violência arbitrária está em vigência no que diz respeito à agressão praticada por servidor público a pretexto de exercer a função, visto que a modalidade de abuso de autoridade contra a integridade física previsto na Lei 4.898/65 não trata de tal conduta.
Resumo: Este trabalho pretende, sobretudo, apresentar à comunidade científica uma nova visão acerca da vigência do crime previsto no artigo 322 do Código Penal com esteio na doutrina do direito penal como exclusiva proteção de bens jurídicos, sem adentrar em uma análise aprofundada do indigitado princípio. Demonstrar-se-á a classificação dos delitos tipificados nos artigos 322 do Código Penal e artigo 3º, alínea i, da Lei de Abuso de Autoridade de acordo com a sua lesividade ou ofensividade ao bem jurídico, bem como se demonstrará que a matéria prevista no artigo 322 do Código Penal não foi inteiramente regulamentada pela Lei 4.898/65, no que diz respeito a elementar normativa “a pretexto de exercê-la”.
Palavras-chave: Violência arbitrária. Exercício arbitrário. Lei de Abuso de Autoridade. Vigência ou Revogação.

1 – INTRODUÇÃO

O objeto do presente trabalho científico consiste em saber, utilizando-se do método indutivo, se o artigo 322 do Código Penal foi revogado pelos dispositivos constantes na Lei 4.898/65.
Considerando que não houve a revogação expressa do mencionado dispositivo pela Lei de Abuso de Autoridade, far-se-á necessária uma análise acurada do artigo 322 do Código Penal, tendo em vista que há um debate acirrado sobre a sua vigência ou revogação. Os elementos objetivos e subjetivos do crime de violência arbitrária serão dissecados neste trabalho, em especial no que diz respeito ao bem jurídico tutelado e na elementar normativa no exercício da função e a pretexto de exercê-la.
Nesta esteira, concluiremos pela vigência harmônica dos crimes de violência arbitrária e de abuso de poder praticado em detrimento da integridade física do administrado.
Este trabalho pretende, sobretudo, apresentar à comunidade científica uma nova visão acerca da vigência do crime previsto no artigo 322 do Código Penal com esteio na doutrina do direito penal como exclusiva proteção de bens jurídicos. Não se adentrara em uma análise profunda do princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos. Somente se demonstrará a classificação do delito tipificado no artigo 322 do Código Penal e alínea i do artigo 3º da Lei de Abuso de Autoridade de acordo com a sua lesividade ou ofensividade, bem como se demonstrará que a matéria prevista no artigo 322 do Código Penal não foi inteiramente regulamentada pela Lei 4.898/65, no que pertine a elementar normativa “a pretexto de exercê-la”.

2 – A VIGÊNCIA HARMÔNICA DOS CRIMES DE VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA E DE ABUSO DE AUTORIDADE

2.1 – ELEMENTOS DO CRIME DE VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA

Dispõe o artigo 322 do Código Penal:
Art. 322. Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da pena correspondente à violência.
Pela leitura do dispositivo acima transcrito, podemos analisar os elementos objetivos e subjetivos que compõem o delito de violência arbitrária. Pode-se concluir, na esteira de Cesar Roberto Bitencourt (2010), que o tipo penal em testilha tutela o bem jurídico Administração Pública, sobre tudo no que diz respeito à moralidade do serviço, bem como o bem jurídico integridade física.
Na linha de pensamento de Rogério Greco (2014), o objeto material do delito será o administrado submetido ao poder estatal contra o qual é praticada a violência ilegal perpetrada pelo funcionário público.
O funcionário público é o sujeito ativo do delito, admitindo-se a coautoria do particular. Ainda segundo Luiz Regis Prado (2002), o Estado e aquele que sofre a violência arbitrária são sujeitos passivos do crime.
Como núcleo do crime, temos o verbo praticar que é sinônimo de exercer ou cometer. A violência, por sua vez, deve ser entendida “somente como a vis corporalis, abrangendo vias de fato, lesão corporal ou homicídio.”(BITENCOURT, 2010, p. 157). O emprego da violência deve ser arbitrária não se englobando situações, como por exemplo, de legitima defesa ou estrito cumprimento do dever legal.
Cesar Bitencourt (2010) destaca que a violência, além de constituir-se em elementar do crime, também constitui crime punido autonomamente, caso a violência consista em algo mais que as vias de fato e lesões corporais leves, visto que estas são suficientes para caracterizar o emprego de violência contra o corpo da vítima. Ressalte-se aqui, que a violência dever ser praticada no exercício da função ou a pretexto de exercê-la. Estamos com Rogério Greco (2014, p. 486) quando este discorda sobre posicionamento doutrinário no sentido de que pode haver concurso material de crimes, dissertando que:
 na verdade, temos uma conduta única, afetando dois bens jurídicos diversos, razão pela qual entendemos, tecnicamente, pelo concurso formal impróprio de crimes, devendo ser aplicada a regra do cúmulo material, haja vista ter atuado o agente com desígnios autônomos, nos termos preconizados pela última parte do art. 70 do Código Penal.
Segundo Guilherme de Souza Nucci (2012), o elemento subjetivo é o dolo consistente na vontade e consciência de abusar da autoridade.
Admite-se a prática comissiva por omissão do delito em questão, vez que “o delito pode ser praticado via omissão imprópria quando o agente, garantidor, dolosamente, podendo, nada fizer para impedir a prática do delito em estudo, por ele devendo responder nos termos preconizados pelo art. 13, §2º, do Código Penal.” (GRECO, 2014, p. 486)
Considerando que, conforme asseverou Mir Puig, “a restrição do ius puniendi supõe que o direito penal é um mal menor, que só é admissível na medida em que seja indispensável, e que o direito penal é necessário quando o exigir a proteção dos bens jurídicos.(MIR PUIG apud BRANDÃO, 2012, p. 114) E que estes bens jurídicos devem ser entendidos, conforme assinala Sérgio Clis (2015), como circunstâncias ou realidades necessárias a um livre desenvolvimento da pessoa em seu plano individual e em sociedade, encontradas implicitamente ou explicitamente na Constituição de um determinado Estado, de mesmo ou maior nível que o direito fundamental à liberdade, que uma vez expostos à lesão ou à perigo de lesão, não possam ser protegidas por outros ramos do ordenamento jurídico, faz-se imprescindível que classifiquemos este crime para além de dizer, com a doutrina majoritária, que tal delito é material, mas também crime de dano. Ou seja, quando o agente pratica violência arbitrária contra pessoa ele viola os seus deveres funcionais e ofende a integridade física do administrado. Tal classificação é mais apropriada à luz da teoria do direito penal como exclusiva proteção dos bens jurídicos.

2.2 – ELEMENTOS DO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE PREVISTO NO ARTIGO 3º, ALÍNEA I, DA LEI 4.98/65.

Dispõe o artigo 3º, alínea i, da Lei de Abuso de Autoridade:
Art. 3º Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
I - à incolumidade física do indivíduo;
Seguindo os ensinamentos de Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio (2006) conclui-se que são dois os bens jurídicos tutelados no crime acima transcrito. Podendo-se dizer que o bem jurídico mediato seria o normal funcionamento da Administração Pública e o bem jurídico imediato seria os direitos e garantias consagrados na Constituição, sendo que, no caso da alínea i do artigo 3º seria a integridade física do indivíduo.
Na esteira de pensamento de Nucci (2014), o objeto material do delito será o administrado submetido ao poder estatal contra o qual é praticada a violência ilegal perpetrada pelo funcionário público.
O sujeito ativo do crime em questão é o funcionário público ou autoridade, conforme preconiza o artigo 5º da indigitada Lei ("Considera-se autoridade, para os efeitos desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração"). Por sua vez, com supedâneo na doutrina de Guilherme de Souza Nucci, são sujeitos passivos do crime “o Estado e qualquer pessoa atingia pelo abuso”.(NUCCI, 2014, p. 5)
O núcleo do crime consiste no verbo atentar que é sinônimo de tentar, importunar, pôr em prática. Ainda nas lições de Nucci, “os delitos previstos no art. 3º desta Lei não comportam tentativa, pois já são formados pela forma tentada”.(NUCCI, 2014, p. 5)
Na lapidar lição de Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio (2006), o atentado deve ser entendido como a ofensa a integridade física do administrado. Há casos, contudo, que a violência é permitida, como por exemplo, em caso de estrito cumprimento do dever legal, legitima defesa própria e de terceiros. Importante ressaltar aqui, que a violência dever ser praticada no exercício da função, não havendo previsão sobre violência praticada com o pretexto de exercício de função pública.
Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio (2006) defendem a tese de que se houver o resultado lesão corporal aplica-se a regra do concurso material, uma vez que o abuso de autoridade já constitui fato típico, indo de encontro com a doutrina de Nucci (2014) que advoga a tese de absorção do crime de lesão corporal leve, posto que o crime de abuso de autoridade é figura típica especial em relação ao delito do artigo 129 do Código Penal.
Assevera Guilherme de Souza Nucci que o dolo é “o elemento subjetivo específico tácito, consistente na vontade de abusar do poder que o agente detém em nome do Estado”.(NUCCI, 2014, p. 5)
Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio (2006) dissertam que os crimes de abuso de autoridade são delitos de perigo de dano.

3 – CONCLUSÕES ACERCA DA VIGÊNCIA CONCOMITANTE DE AMBOS DISPOSITIVOS LEGAIS

A doutrina e jurisprudência pátria divergem acerca da revogação do crime previsto no artigo 322 do Código Penal pelo dispositivo inserto no artigo 3º, i, da Lei 4.898/65. A jurisprudência dominante nos tribunais estaduais e na doutrina é no sentido de que houve a revogação do crime de violência arbitrária pelo dispositivo do artigo 3º, alínea i, da Lei de Abuso de Autoridade, haja vista que esta Lei teria tratado da matéria de forma exaustiva e que a norma inserta na Lei 4.898/65 seria mais elástica, adaptando-se melhor a cada caso concreto o que permitiria uma mais justa aplicação da pena. Aduzem ainda, que o atentado contra a integridade física previsto na Lei 4.898/65 seria fruto de críticas e sugestões sobre o crime previsto no artigo 322 do Código Penal. Advogam tal tese, Rogério Greco (2014), Luiz Regis Prado (2004) e Guilherme de Souza Nucci (2012).
Todavia, em sentido contrário temos o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 73914/SP, da relatoria do Ministro Osvaldo Trigueiro, julgado em 3 de junho de 1972, atualmente confirmado no julgamento do RHC 95617/MG, da relatoria do Ministro Eros Grau, julgado em 25 de novembro de 2008.
O entendimento acima referido reside no fato de que a legislação brasileira não teria confundido os crimes de violência arbitrária e de abuso de autoridade, tanto é que o Código Penal disciplina tais delitos nos artigos 322 e 350, respectivamente. Assim pode se inferir que o Supremo Tribunal Federal teria concluído que o artigo 350 do Código Penal foi totalmente revogado pela Lei 4.898/65. Fundamenta-se ainda, no fato de que o crime previsto no artigo 322 seria um delito praticado pelo funcionário público contra a administração em geral e que o delito previsto no artigo 350 do Código Penal, atualmente previsto na Lei de Abuso de Autoridade, teria bem jurídico diverso do bem jurídico Administração Pública. Ressalta ainda que a matéria não foi tratada de forma exaustiva, não havendo previsão do cumulo de penas em hipóteses de ocorrência de lesão corporal de natureza grave e homicídio.
Tal entendimento é seguido pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica no julgamento do HC 48.083-MG, da relatoria da Ministra Laurita Vaz, julgado em 20 de novembro de 2007, bem como por Cesar Roberto Bitencout (2010) e por Magalhães Noronha, citado por Bitencourt.
Ouso concordar com a corrente minoritária, entretanto, com fundamento diverso.
Ao meu inteligir, ambos dispositivos continuam em vigência, primeiramente porque o crime previsto no artigo 322 do Código Penal é um crime de dano e o delito tipificado no artigo 3º, alínea i, da Lei 4.898/65, é uma infração penal de perigo de dano. Nesta senda, quando um policial militar vem a desferir um soco contra o rosto daquele que tão somente acompanhava a prisão de seu ente querido, causando-lhe lesões corporais leves, incorre no tipo penal previsto no artigo 322 do Código Penal, com pena de detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da pena correspondente a violência, caso haja lesão corporal grave ou gravíssima ou homicídio. Caso o soco desferido contra a pessoa que acompanhava a prisão de seu familiar, sem opor resistência, não atinja o corpo da vítima, o militar deve responder pelo delito inserto no artigo 3º, alínea i, da Lei de Abuso de Autoridade, que possui pena de detenção de 10 (dez) dias a 6 (seis) meses, visto que praticou o verbo ali previsto. Ou seja, tentou, importunou, pôs em prática sem obter êxito contra a integridade física da vítima.
Assim, não haveria que se cogitar de tentativa no crime previsto no artigo 322 do Código Penal tampouco de concurso de crime com o delito tipificado no já mencionado artigo 3º.
Oportuno ressaltar inda, que o crime de violência arbitrária está em vigência no que diz respeito à agressão praticada por servidor público a pretexto de exercer a função, visto que a modalidade de abuso de autoridade contra a integridade física previsto na Lei 4.898/65 não trata de tal conduta. Neste diapasão, caso se entendesse que o artigo 322 do Código Penal se encontra revogado, a violência arbitrária praticada por um policial militar, de folga, contra um administrado, não seria passível de punição.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade penal: dos elementos da dogmática ao giro conceitual do método entimemático. 1 ed. Coimbra. Almedina, 2012, 248 p.
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal: dos crimes contra a administração pública e dos crimes praticados por prefeitos. 4ª ed. São Paulo. Saraiva, 2010, 557 p.
CLIS, Sérgio Henrique Marques. Bem jurídico meio ambiente e objeto material do delito:uma análise dos ecossistemas naturais e seus componentes. 2015. 33 f. Monografia de conclusão do curso de Ciências Penais – Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais, Escola de Direito, Belo Horizonte.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. 10ª ed. Niteroi. Impetus. 2014, v. 4, 779 p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Lei penais e processuais penais comentadas. 8ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2014. v. 1, 742 p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 8ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2012, 1149 p.
MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação penal especial. 9ª ed. São Paulo. Atlas. 2006, 382.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial. 3ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2004. v. 4, 1148.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é sua opinião, que neste blog será respeitada

politicacidadaniaedignidade.blogspot.com