Acorda, Policial e Bombeiro Militar!


O verdadeiro desafio não é inserir uma idéia nova na mente militar, mas sim expelir a idéia antiga" (Lidell Hart)
Um verdadeiro amigo desabafa-se livremente, aconselha com justiça, ajuda prontamente, aventura-se com ousadia, aceita tudo com paciência, defende com coragem e continua amigo para sempre. William Penn.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

A IDENTIFICAÇÃO DE SUSPEITO E O PÚBLICO INFANTIL.






*José Luiz Barbosa


Polêmicas a parte, a identificação de suspeitos, ou a simples identificação dos cidadãos, não pode se revestir de constrangimento ilegal nem de restrição do direito de ir e vir, e permanecer, mesmo sem qualquer motivo para estar no logradouro público, pois cabe ao cidadão a escolha para o exercício do direito fundamental e de sua liberdade, sem ser molestado ou incomodado sem razões e fundadas suspeitas, como exige e impõe a lei.


A atividade policial não é para amadores ou executada com achismos, e é limitada, e circunscrita aos ditames da lei, e mesmo o poder discricionário encontra limites na lei, ainda que haja uma certa margem de liberdade discricionária para a ação policial, principalmente as que colidem frontalmente com os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Mas certamente a identificação de suspeitos, apesar da subdimensão que lhe dá o vídeo da história  no espectro da segurança pública, e sua complexidade no exercício da atividade policial se dá exatamente em conciliar estes e outros procedimentos com as circunstâncias, e outras variáveis que compõem esta avaliação, que podem escapar aos olhos até do mais experiente policial.

O enredo rico na demonstração e fixação de conceitos abstratos, pela exemplificação animada com personagens em desenho levam mensagem de um limitado e perigoso raciocínio, do que e quem realmente pode ser denominado de suspeito, como quer frisar e fazer crer o personagem representado pelo "PM Legal", sendo aqueles que estão com a intenção de praticar um delito, e vejam que já partimos de um julgamento preconcebido pelos menos para o público infantil que todos que se encontrem em tal situação são potenciais e perigosos criminosos.

Sem dúvida que mensagens educativas, esclarecimentos, orientações, transparência e prestação de contas nas ações e projetos associados a segurança pública, são a um só tempo direito do cidadão e dever das agências públicas.

A credibilidade e a relevância da informação, mesmo estando vivendo um momento de crescente criminalidade, e do recrudescimento da violência não indicam que incutindo idéias preconcebidas para um público infantil teremos retração no resultado dos  indicadores de segurança pública, sem comprovação o máximo que se poderá esperar é o aumento de ligações para o 190 dando notícia de "suspeitos." 

Assim não teremos "trotes", mas "agentes mirins" ligando pensando estar ajudando a Polícia Militar, e colaborando com a proteção das pessoas, um risco que somente será mensurado após os efeitos da mensagem e de como ela foi compreendida.  

Louvável portanto o programa, inclusive programas e ações dos quais se ressentem qualitativamente a Polícia Militar em sua mais importante missão que é prevenir o crime, mas numa analise preliminar equivocada a mensagem no seu conteúdo. 

O "fazer policial", e entre tais atividades que se processam no ambiente público está com mais razão a identificação de suspeitos, que para garantia do respeito aos direitos fundamentais está prevista no Código de Processo Penal, instituído como meio de provas no Título VII, em seu capítulo XI, que trata da busca e apreensão e, através do artigo 240, parágrafo segundo, dispondo que a busca pessoal será realizada quando existir "fundada suspeita" de que alguém oculte armas ou objetos relacionados a atos criminosos, secundum legem,

§ 2º  Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Os objetos apresentados no parágrafo primeiro são as cartas destinadas ao acusado ou em seu poder que possibilitem a elucidação de ato criminoso, as coisas achadas ou obtidas por meios criminosos ou qualquer outro elemento de convicção. 

A busca pessoal é também autorizada no ato das prisões em flagrante ou por ordem judicial, quando existe fundada suspeita de cometimento de crime, ou, quando ordenada no curso de busca domiciliar, sendo que, para sua realização em todos os casos expostos, surge à independência de mandado, como informa o artigo 244, do CPP: 

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver "fundada suspeita" de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Mais uma vez o legislador repete que a busca pessoal somente se procederá quando e se houver fundadas suspeitas, portanto, não será uma criança que irá constatar os elementos para se comprovar a necessária e imprescindível fundada suspeita, como quis, repetiu, e prescreveu o legislador, o que exige responsabilidade, tirocínio, experiência na atividade policial, para que o poder discricionário não seja empregado com abuso e arbitrariamente.

E a fundada suspeita como exigência legal para realização da abordagem policial, deve obedecer as disposições constitucionais: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;   

 XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;  

 XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;  

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

Bem como as previsões do Código Processo Penal:

Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

h) colher qualquer elemento de convicção.

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.


No trabalho A FORMAÇÃO DA FUNDADA SUSPEITA NA ATIVIDADE POLICIAL E OS DESAFIOS DA SEGURANÇA PÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, pg.12, o autor Daniel Nazareno Andrade, leciona magistralmente, 

"Toda classificação de algum tipo de suspeito padrão será discriminatória, pois estará taxando determinado sujeito que tenha aparência dentro desta moldura; concluirá apenas que por uma aparência determinada já se poderá temer que cometerá algum crime; Isso não é diferente da teoria do criminoso nato já lançada por LOMBROSO, pois ao se determinar que alguém, somente por sua aparência física ou forma de se vestir é um criminoso, apenas se está reformulando, de forma semelhante, as idéias do positivismo biológico, quem sabe em prol de um positivismo sociológico."

Ressalte-se que como afirmado, se por um lado os elementos para a classificação do suspeito carregam alta carga de subjetivismo, por outro reafirma um padrão de suspeição predeterminado na moldura e cultura policial, reforçando esteriótipos e a discriminação social.

As regras como visto são rigorosas e dispõem sobre como e quando se poderá identificar o suspeito, o que seguramente somente podem ser aferido no caso concreto, mas a mensagem  deliberadamente dirigida ao público infantil reduz a alguns procedimentos que isolada, ou conjuntamente não definem por si só um suspeito, em especial com a conotação de ser alguém que irá cometer um crime.

O trabalho do programa apresenta-se inovador e com preocupação em aumentar o sentimento de segurança, diminuir o medo, e estabelecer laços de confiança, cooperação, e credibilidade, mas com premissas equivocadas, pois pode resultar como destacado em arriscadas, perigosas e contraproducentes conclusões já que transmitem a idéia de um estado de controle, onde todos vigiam todos, e prevalecendo da pouca capacidade de discernimento, maturidade e senso da realidade para a IDENTIFICAÇÃO DE SUSPEITOS.

E para concluir a identificação de suspeito não é brincadeira nem coisa de criança, ainda que a intenção seja a mais inocente e de respeito ao princípio da proteção integral!

Ficamos nesta crítica, para não entrarmos na linguagem de invocação que inicia o programa com "guerreiros e guerreirinhas..."






*Advogado criminalista, pós graduado em ciência penais, especialista em segurança pública, ativista de direitos e garantias fundamentais.

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